Acordo assustada, toda suada, olho o horário, ainda era 4 da manhã, senti um frio na espinha de lembrar do sonho novamente. Já iria fazer 13 anos desde que minha mãe se foi, mas ainda tenho o mesmo pesadelo todo dia, talvez porque todos a minha volta ainda me culpam pelo acidente, talvez porque eu realmente ache que a culpa foi minha.
Balanço a cabeça tentando dispersar todos os pensamentos ruins daquela noite, sinto todo meu corpo doer assim que saio da cama, vou em direção ao banheiro e tomo um banho longo e bem gelado, minha cabeça está latejante de dor e precisava de alguma forma relaxar.
volto para o quarto e procuro uma roupa que dê para esconder os machucados do meu corpo, tento não fazer muito esforço quando coloco a calça jeans preta, a blusa azul escura e o casaco com capuz preto.
Saio do meu quarto e ando até as escadas, olho para a casa enorme onde moro, mas que sei que nunca vai ser uma lar meu e penso em todas as coisas que já sofri por ser como sou. Desço as escadas devagar e sem fazer barulho o máximo que podia.
Não posso acordar eles, meu pai bebeu noite passada e de novo, foi violento. Ele sempre diz que eu lembro a minha mãe, por quem sempre foi apaixonado, ele diz que se pudesse, faria eu trocar de lugar com ela e aí sim ele viveria feliz, mas a vida não é assim.
Eu também gostaria de trocar de lugar com ela, faria de tudo para ter isso.
fui em direção a cozinha e preparei o café deles, demoro uma hora para fazer tudo, limpar e guardar o que usei, pego apenas uma fruta qualquer e volto ao meu quarto, pego minhas coisas para a faculdade e desço de novo.
Vou em direção a saída, abro a porta e saio de casa, indo ao único lugar que eu posso relaxar e me sentir em paz de verdade.
ando alguns minutos e de longe, posso ver o parque que sempre vínhamos quando minha mãe estava aqui, caminho por ele, as vezes olhando para o nascer do sol, as vezes olhando as árvores. ainda é primavera, a época que mais gosto, é relaxante, friozinho e ao mesmo tempo quente, é reconfortante.
eu me aproximo de um banco e me sento, olhando para meu redor e depois olhando para o céu. Sentia saudades dela.
eu levanto minha mão para o céu e fecho os olhos, sentindo o vento frio da manhã e os cheiros bons vindo de árvores e flores ao meu redor.
- sinto saudades.
- quanto mais tempo passa, mais você fica esquisita, falando com seu namorado imaginário?
eu me assusto ao ouvir a voz grave bem perto de mim, abro os olhos e Jason Romano está na minha frente com seu típico sorriso de canto de boca. Abaixo meu braço e afasto meu rosto mais para trás, ele estava numa distância perigosamente próxima.
Jason Romano, 25 anos, próximo a herdar as empresas Romano, tá fazendo seu último ano de administração e é o primeiro a me atormentar em completamente tudo que pode. Ele tem uma certa alegria em me ver triste e aborrecida, ele ri ainda mais quando estou os dois.
Jason é o típico badboy de livros que eu amaria ter como perseguidor, mas ao contrário do que pensei, ele é tão insuportável que nem sua beleza pode compensar a raiva que me faz passar.
seus olhos verdes esmeralda me encaram sério, passeia por todo o meu rosto e param apenas no meu olho esquerdo.
- pontinhos, o que aconteceu com seu olho?
eu levo a mão até meu olho e lembro que estava roxo e inchado, não podia sair desse jeito, mas simplesmente esqueci, estava no mundo da lua pensando na mamãe e deixei completamente de lado a lembrança que estava toda machucada.
- nada.
eu levanto com rapidez do banco, ficando frente a frente com Jason, ele era uns bons 20 centímetros mais alto que eu, então tenho que manter meu rosto sempre para cima para ver sua cara. Eu coloco o capuz na minha cabeça e tento esconder o máximo que posso do olho inchado. Saio dali andando rápido, sei que tentou me segurar, mas não conseguiu a tempo e sua mão apenas delizou pelo meu antebraço.
eu suspiro aliviada e vou em direção a escola, não poderia faltar, mesmo estando machucada, não posso faltar sequer um dia. Estudo em uma faculdade de renome famosa por ter saído vários políticos, engenheiros e outros de muito sucesso. Consegui uma bolsa integral para estudar artes plásticas.
Mantenho ótimas notas e sempre me atualizo de tudo, tenho uma boa amizade com os professores e a diretora, esses que sempre percebem meus machucados e tentam conversar comigo, eu apenas desconverso e saio de perto.
Não poderia dizer nada, isso poderia acabar com o trabalho do meu pai e isso só vai piorar as coisas para o meu lado.
ao chegar na faculdade, não tem ninguém por lá, ainda era 7 horas e as aulas começam às 9, cheguei cedo apenas por causa do susto com Jason, ficaria um tempo lá pela praça até dar um horário bom para vir para a faculdade, mas acabei me apressando e nem percebendo o quão cedo é.
vou para a sala da primeira aula e coloco minha bolsa na cadeira que sempre reservo, saio da sala e vou em direção a biblioteca, que infelizmente estava fechada.
Aqui na faculdade tem muito esportes também, muito jogadores saem daqui com a carreira feita, existem jogadores de futebol americano, dançarinos, cheerlider, jogadores de hóquei e patinadores artísticos e outros. Eu especialmente não me importo com nenhum outro esporte, apenas a patinação, minha mãe era uma patinadora artística antes de se casar com meu pai, ela se aposentou apenas para dar sua total atenção a família, mas ela ainda tinha o amor guardado e então, quando completei meus sete anos de idade, ela me levou a uma pista de patinação e me ensinou.
Ainda tive aulas com ela por 3 meses antes do acidente, quando aconteceu, eu parei a patinação por 5 anos, até que voltei a patinar quando achei os patins favoritos dela.
Entro na pista e vou em direção aos armários, já tinha um reservado para mim, a treinadora sempre tentou me convencer a entrar para o clube, mas nunca tive interesse e recusava, mas quando não tinha ninguém por aqui, eu vinha e ficava no meu mundinho.
É difícil eu achar algo que me deixe relaxada e existe apenas três coisas que faço que me fazem esquecer de tudo, a patinação, ler e sentar no banco da praça e apenas olhar tudo ao meu redor. É calmante, são as únicas vezes que fico sozinha e é exatamente por isso que me sinto relaxada.
eu coloco os patins da minha mãe e entro na pista, começando a deslizar pelo gelo devagar, vou criando velocidade com o tempo e relaxando cada vez mais. sentindo o vento frio em meu rosto e meu corpo todo se arrepiar, faço um rodopio no ar e volto para o chão em perfeita precisão.
levanto minha perna esquerda para o ar e a seguro com as duas mãos acima da cabeça, jogo a mesma perna para a frente e faço o giro sentado, com uma perna estendida e outra dobrada, me agacho, quase próxima ao gelo e giro por um tempo, me levanto e dou uma pirueta, faço voltas e voltas na pista para tentar pegar velocidade, incontáveis saltos, me equilíbrio muito ao tentar os saltos e consigo perfeitamente.
faço outra curva e um salto, parando com uma pirueta na entrada para a pista de gelo, saio e me sento nas arquibancadas, ofegante e com um pouco de falta de ar, retiro meus patins e paro quando sinto algo gelado no meu pescoço.
- acho que para ter feito o que fez, deveria ter usado proteção ou uma roupa mais curta.
olho para cima, já reconhecendo a voz de Jason, ele estava parado ao meu lado, segurando uma garrafa de água cheia bem gelada, ele balança a garrafa para mim e eu empurro a mão dele, voltando a tirar meus patins e colocando meus tênis em seguida.
levanto da arquibanca com os patins na mão e vou em direção ao meu armário, Jason se manteve quieto o tempo que fiquei para trocar meus sapatos e agora me segue como um cachorro que quer pedir algo.
- como você se machucou?
eu viro para ele com os olhos levemente arregalados e suspiro, correndo dele, pela segunda vez em menos de duas horas.