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O Olho de Vidro

O Olho de Vidro

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Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco foi um escritor português, romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Foi ainda o 1.º Visconde de Correia Botelho, título concedido pelo rei D. Luís. Foi um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa. Há quem diga que, em 1846, foi iniciado na Maçonaria do Norte,o que é muito estranho ou algo contraditório, pois há indicações de que, pela mesma altura, na Revolta da Maria da Fonte, lutava a favor dos Miguelistas como "ajudante às ordens do general escocês Reinaldo MacDonell", que criaram a Ordem de São Miguel da Ala precisamente para combater a Maçonaria. Do mesmo modo, muita da sua literatura demonstra defender os ideais legitimistas e conservadores ou tradicionais, desaprovando os que lhe são contrários.Teve uma vida atribulada, que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus escritos literários. Apesar de ter de escrever para o público, sujeitando-se assim aos ditames da moda, conseguiu manter uma escrita muito original.Dentro da sua vasta obra, também se encontra colaboração da sua autoria em diversas publicações periódicas como O Panorama, a Revista Universal Lisbonense, A illustração luso-brasileira (1856-1859), Revista Contemporânea de Portugal e Brasil (1859-1865), Archivo pittoresco (1857-1868), A Esperança (1865-1866), Gazeta Literária do Porto (1868) (também chamada de Gazeta de Camilo Castelo Branco devido à sua extensa colaboração como redator), a revista literária República das Letras (1875), Ribaltas e Gambiarras (1881), A illustração portugueza (1884-1890), e a título póstumo nas revistas A semana de Lisboa (1893-1895), Serões (1901-1911) e Feira da Ladra (1929-1943) (font: Wikipedia).

Chapter 1 No.1

Informa??es

Corria o anno de 1697.

Francisco Luiz d'Abreu, doutor em medicina, mudára sua residencia para Coimbra, esperan?ado em entrar no magisterio, conforme lh'o promettiam sua capacidade, vasto saber e creditos. Tinha casado, quatro annos antes, com Francisca Rodrigues de Oliveira, filha de abastados judeus de Ourem. N?o tinham filhos; mas dos bra?os de um ao outro saltava um menino de cinco annos, chamado Braz, acariciado com blandicias de filho. A crean?a tratava de padrinho o doutor, e á senhora chamava m?e. A esposa do medico, privada do goso de se ver assim amimada nos labios de anjo desentranhado de seu seio, jubilava de lhe ouvir aquelle doce nome de m?e, e toda se estremecia de maternal ternura chamando-lhe seu filho.

Grande numero de pessoas relacionadas com Francisco Luiz, presumia que o pequenino Braz era filho natural d'elle, e que Francisca de Oliveira, bem que israelita e perfida ao sacramento do baptismo, alojava no peito entranhas t?o christ?s que levara para sua companhia o menino, e lhe queria até á extremidade de lhe chamar filho, e consentir que elle lhe chamasse m?e.

Exceptuada a amoravel esposa do doutor, ninguem sabia em Portugal quem fossem os paes d'aquella crean?a. A ama, que a tinha amamentado, morrêra; e a pobre gente, que lhe assistira ao nascimento, ignorava o destino d'elle.

Um dia, como a crean?a, antes de ir-se á cama, entrasse a beijar a m?o do padrinho, Francisca beijou-a nas faces, e disse-lhe:

-N?o tornes a chamar padrinho ao teu amigo; chama-lhe pae, sim, Braz?

-Pois sim, m?esinha-disse a crean?a, e saiu pela m?o da creada.

Francisca proseguiu:

-Pois n?o é assim melhor?! Acabamos de nos convencer que elle é nosso filho.

-ó menina, respondeu o marido-esse convencimento parece-me difficil...

-Nosso filho gerado no cora??o...-tornou ella.

-Isso lá, sim; d'esse modo já eu o perfilhei; mas o peior é que ámanh? podem apparecer ahi umas entranhas menos phantasticas do que a tua maternidade de cora??o a reclamarem o que é seu legitimamente.

-Pois tu cuidas que elles voltam cá?! Podes ainda imaginar que elles vivem? Ha tres annos que n?o temos uma carta d'elles!

-Mas tambem n?o recebemos a certid?o de obito.

-Pois sim,-redarguiu Francisca-mas, se elles vivessem, as pessoas de Hollanda, a quem tu tens pedido tantas vezes novas d'elles; n?o t'as dariam, ainda mesmo que lhe n?o soubessem os verdadeiros nomes?!

-Acho-te raz?o; porém, custa-me a crer que elles tenham morrido ambos. O mais certo é o que eu tantas vezes te tenho dito...

-Que Fern?o Cabral tem recebido as cartas que elles te escrevem?

-Sim.

-N?o creio. Tu recebes cartas de Amsterdam, de Londres e de toda a parte. Se te subtrahissem umas, iam todas, homem. Cá, ninguem me tira a mim da cabe?a, que elles morreram em naufragio, ou os sicarios do fidalgo os mataram lá por fóra, ou... quem sabe?... a tamanho apuro de desgra?a chegariam, que se dessem a si a morte, como no seculo passado succedeu com tantos irm?os nossos.

-Póde ser-obtemperou Francisco Luiz;-mas teriam coragem de matar-se uns paes que deixavam esta crean?a?!... N?o é possivel! A ultima carta, que recebi de Antonio, aqui está-disse elle, tirando-a do segredo de uma gaveta-é de 4 de outubro de 1694. Escreve-me de Marselha. N?o se queixa de mingua de recursos. Revela uma certa seguridade de espirito, que é signal de boas aven?as com as miserias da vida. Diz que está em arranjos com alguns hebreus, filhos e netos de portuguezes, para se trasladarem com suas familias para uma colonia franceza, que, diz elle, talvez seja a de S. Domingos. Promette escrever-me quando se houver definitivamente resolvido, e depois...

-Mais nada-atalhou Francisca-Ora, no Canadá, já sabemos que elles n?o est?o. N'outras colonias, tambem tu já sabes que ninguem os viu. Que havemos de pensar d'isto? Que se ha de suppor depois do silencio de tres annos?

-Que as cartas me s?o roubadas-insistiu o doutor.

-E tu a teimar, homem!... Oxalá que eu me engane; mas, se adivinho, Deus sabe que o menino está amparado, e que ha de ser sempre meu filho, ainda que o senhor me dê muitos filhos.

-Suicidarem-se!-proseguiu Francisco de Abreu, que parecia, de absorvido em suas cogita??es, n?o ouvir a esposa-Suicidarem-se n?o póde ser... Antonio Mour?o graduou-se em medicina em Paris ha quatro annos, e de lá passou para Hollanda. Um medico n?o chega a encarar com t?o feia miseria que lhe quebre o animo, ao extremo de o anniquilar. Antonio em qualquer parte acharia p?o, ainda que fosse máo physico; porém, com os talentos d'elle, n?o posso conceber máo medico. Seja o que f?r, Francisca. Eu espero ainda haver novas por alguns hebreus de Marselha. Hei de perguntar em que época e em que navios sairam colonos, e para onde sairam. N?o o fiz até agora por medo que as minhas cartas andem espiadas, e v?o dar ás m?os de Fern?o Cabral. Mas vou escrever ao nosso amigo Francisco de Moraes Taveira, que está em Lisboa de viagem para Fran?a, e pedir-lhe que indague quanto poder dos nossos irm?os de Marselha o destino dos colonos, com os quaes saiu Antonio de Sá Mour?o.

Francisca entrou á alcova do menino, e sentou-se-lhe á beira do catre a contemplal-o adormecido em sonhos, que lhe sorriam, a espa?os, na rosa entre-aberta dos labios.

Francisco Luiz de Abreu ficou escrevendo largas paginas ao seu amigo Francisco de Moraes, hebreu abastadissimo de Villa Flor, commerciante de pedras preciosas, que traficava nas principaes cidades de Europa e Asia.

Na volta do correio, Francisco de Moraes asseverou ao doutor que chegado a Fran?a, iria indagar pessoalmente a Marselha, e n?o pouparia despezas com os informadores que o satisfizessem. E, por esta occasi?o, lhe noticiava que fazia conta de trazer de Hollanda seu filho Heitor, que lá se estava educando em humanidades com seus tios, para estudar medicina em Coimbra; e, a tal respeito, accrescentava: ?N?o sei se érro em trazer o rapaz para Portugal; mas a m?e insta, chora, e definha-se a termos que receio que me ella morra. Seja o que Deus quizer. Aconselhar-lhe-hei o que lhe cumpre fazer, e espero que elle, por obediencia e desejo da vida, me attenda.?

Francisco Luiz deu-se logo pressa em pedir ao hebreu que n?o trouxesse para Portugal, como victima amarrada para o a?ougue, o pobre rapaz que lá fóra vivia sem receio da polé e da fogueira. Pintava-lhe, sem encarecimento, os perigos que amea?avam em Portugal um rapaz creado e educado entre israelitas doutos, e com elles affeito a dizer alto e destemidamente o seu pensar em coisas de religi?o. Recordava-lhe as numerosas victimas da inquisi??o, que preferiram morrer a desconfessar sua fé, antepondo a gloria do martyrio da idéa herdada de avós á hypocrisia de aceitarem apparentemente a religi?o dos carniceiros filhos de Domingos de Gusm?o. Lembrava-lhe a sublime coragem de Manuel Fernandes Villa Real, consul portuguez em Paris, e, n?o obstante, garrotado e queimado na pra?a da Ribeira em Lisboa no anno de 1652. Lembrava-lhe o lente de Coimbra Antonio Homem, queimado em 1624, e o advogado Miguel Henriques da Fonseca, Pedro Serr?o3 e outros, cuja inflexibilidade de caracter, comquanto perpetuasse honrada memoria, lhes custou affrontosissima morte, e deixou aberta por muito tempo amarga torrente de lagrimas.

As reflex?es do medico abalaram o judeu; mas n?o lhe demudaram a ten??o. Era Heitor, filho unico, herdeiro de grandes haveres; queria voltar á patria, onde o chamavam saudades de menino; tinha por si as lagrimas e instancias da m?e; promettia ser discreto e hypocrita; queixava-se do clima de Hollanda e de febres quartans. O pae era sósinho a querel-o afastado de Portugal, e assim mesmo andava em lucta comsigo mesmo, até que deliberou trazel-o de volta da sua excurs?o mercantil a Fran?a e outras na??es.

De Marselha escreveu Francisco de Moraes informando o seu amigo Abreu. Dizia que Antonio de Sá Mour?o, convidado com grandes lucros a ir estabelecer-se como medico no Canadá, ou Nova Fran?a, aceitara a proposta, e embarcara com sua mulher, resolvido a enriquecer-se no prosperado trafico dos pellames. Ajuntava que um dos tres navios, carregados de colonos, batido pela tormenta, se esgarrara do rumo, e f?ra a pique na costa de S. Domingos, a tempo que duas galeotas de flibusteiros, conhecidos como demonios do mar, na linguagem da peninsula britannica, faziam aguada n'uma bahia d'aquella infamada costa, onde poucos annos antes haviam naufragado tres naus francezas, capitaneadas pelo audacissimo colonisador Robert Cavalier de la Salle. Ajuntava o informador que n'aquelle navio perdido iam fatalmente o medico e sua mulher, com muitas pessoas das mais graudas da colonia, algumas das quaes se presumia que tinham caido nas m?os dos flibusteiros segundo informa??es de um gale?o hespanhol, que das pessoas embarcadas no navio perdido, até áquella hora, n?o viera noticia a Fran?a.

Francisco d'Abreu, lendo a carta, disse á esposa.

-Tinhas adivinhado desgra?adamente! O nosso Braz já n?o tem pae nem m?e. Agora podemos dispor do futuro d'esta crean?a. Vê tu que funesto remate houveram aquelles amores do meu pobre Antonio! Já n?o ha duvidar... Est?o mortos! Batam as m?os os gallileos, e folguem de ver que vingaram as ondas o que as lavaredas n?o poderam! Oh!... que vontade eu tenho de banhar o rosto d'este menino com as minhas lagrimas, e contar-lhe as desgra?as de seus paes.

-N?o-atalhou Francisca-n?o lhe digas nada; n?o digas! Que lucra elle em saber isso?... Vaes semear-lhe no cora??o odios e paix?es que, no futuro, lhe podem ser a sua perdi??o. Nem se quer lhe digas em tempo algum que seu pae era judeu. Quebremos-lhe, se podermos, este cond?o funesto!

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